NOTA DOS AUTORES


Quantos de nós já não fomos emigrantes em terras mais ou menos distantes, por mais ou menos tempo, sempre à procura de condições que não temos acesso no nosso lugar, ou à procura de melhoria para essas mesmas condições, encarando essas terras e essas cidades, tão diferentes das nossas e com hábitos sempre tão desavindos dos nossos,  por vezes com temor, por vezes com estranheza, em que o desconforto é a matriz diária e constante?  Lisboa, seguramente, não foge a ser vista também com estes sentimentos por quem a escolheu para tentar uma melhor vida. A dificuldade de integração será diária e só os mais resistentes e perseverantes conseguirão construir um futuro nesta cidade.
Lisboa sempre foi uma encruzilhada de povos. Entre  celtas, godos, romanos, judeus, árabes e berberes a história foi-se construindo até ao período das descobertas marítimas, período a partir do qual essa confluência de povos ainda se torna mais evidente. Calcula-se que só no século XV terão vindo para Portugal mais de 150.000 escravos (cf. Vitorino Magalhães Godinho). Apesar de nem sempre reconhecida a mestiçagem em Lisboa é grande: o fado tem origem nessa miscigenação, muita da gastronomia resulta do mesmo fenómeno. 
A história da relação entre as várias comunidades em Lisboa não é uma história pautada pela felicidade. Por vezes é mesmo pautada por momentos dramáticos ou desumanos, como o caso do Massacre de Lisboa de 1506, também conhecido como Pogrom de Lisboa ou Matança da Páscoa de 1506, em que uma multidão perseguiu, violou, torturou e matou centenas de pessoas, acusadas de serem judias; ou ainda a situação dos escravos em Lisboa que, segundo Filipe Sassetti, comissário florentino que viveu em LISBOA entre 1573 e 1578, eram imensos: "Estou a crer que em LISBOA os escravos são mais que os portugueses livres de condição. Dificilmente se encontrará uma casa onde não haja pelo menos uma escrava (...). É ela que vai comprar as coisas necessárias, que lava a roupa, varre a casa, acarreta a água, faz os despejos à hora conveniente numa palavra, é uma escrava não se distinguindo de uma besta de carga se não pela figura ."
Por sua vez o fenómeno imigratório, tanto de finais do século XIX como já neste século, é atravessado por processos contínuos de produção de memória. Tais processos explicitam-se e tornam-se (in)visíveis nos contatos entre as comunidades de acolhida e os imigrantes, trazendo consigo dinâmicas de perda – com relação à terra de partida – e de conflito étnico-cultural entre um “eu” (os grupos de estrangeiros) e um “outro” (os nacionais da terra de chegada). 
Apesar  de todas estas situações, a cidade em si tem sabido integrar essas diferenças e essas histórias no seu tecido.
Atualmente dos 510.000 habitantes em Lisboa, e falando só de imigrantes legais, mais de um quinto desse universo é constituído por imigrantes. Se acrescentarmos a imigração ilegal ou não regularizada, rapidamente percebemos  a dimensão dessas comunidades e a sua importância em todos os aspectos na vida da capital. No entanto a inter-relação entre a comunidade de acolhimento e e as comunidades de imigrantes é na maioria das vezes nula, quando não tensa, mas sempre incompleta e descontínua. Opta-se sempre pela bandeira da diferença como elemento  identificador que ao mesmo tempo serve como separador das comunidades. A crise económica começa a provocar um crescente xenofobismo e um aumento da fragilidade a que ficam sujeitas as comunidades imigrantes. De salientar que a taxa de crescimento natural em Portugal atingiu já o valor zero, com que faz que o crescimento efectivo da população em Portugal esteja muito dependente dessas mesmas comunidades imigrantes.
Lisboa Mestiça, construída sobre factos reais e utilizando a técnica do docudrama, onde pessoas das mesmas comunidades recriarão fragmentos de vivências vividas, vai-nos revelar o que é hoje viver nesta cidade de mais de dez séculos de mestiçagem.
Os Autores




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